Tuesday, December 26, 2006

ÚLTIMO MOMENTO DE AMOR EM FAMÍLIA

Em tempo recorde ele atravessou o pântano das ilusões capitalistas carregando uma mesa de cozinha nas costas. Seus pés estavam cheios de feridas, pústulas de pus explodiam a cada novo passo, seus olhos ardiam e via tudo embaçado não conseguindo mais distinguir muito bem as coisas, seus braços já haviam atrofiado por terem sido mantidos sempre na mesma posição e, acreditem, ele tirava sua força para continuar justamente de seu cansaço. Não queria, nem podia parar. Uma força que fugia das explicações convencionais o forçava a continuar sempre em frente, sempre rumo ao casebre que ele havia avistado a três anos e vinte e sete dias. E antes mesmo que se desse conta, chegou até a porta podre do casebre. Percebeu que o silêncio ali era perturbador, nem barulho do vento, nem o canto dos pássaros, nem o rastejar de uma larva. Nada. Silêncio absoluto. Bateu na porta, ninguém veio atende-lo. Esperou cinco anos exatos até que a porta se abriu e uma linda mulher de setenta anos incompletos com duzentos e treze quilos lhe comprimentou sorrindo, parecia dizer com aquele sorriso desdentado que o havia esperado desde o princípio da criação do planeta. Se apaixonaram, transaram por doze meses e quatro horas e vinte e nove segundos sem parar nem para comer. Se alimentavam do amor que sentiam um pelo outro e ao final de dez anos já haviam concebido quatro pares de gêmeos, meninas, meninos e um hermafrodita genial em equações matemáticas.
No final do mês de outubro do ano de plantar sapos reais, a mulher adoeceu e antes mesmo que pudessem saber que doença lhe devorava as entranhas, morreu de hemorragia interna, cuspindo sangue entre orações fanáticas. Ele, que lhe jurou amor eterno, ao vê-la padecer sentiu que não possuía mais razão alguma para continuar vivendo. Deu banho em seus filhos e vestiu-os com ternos negros dos pés a cabeça e após e enterro da mãe-mulher, colocou sua prole em fila indiana defronte um carvalho onde se enforcou com o cinto de seu roupão pós-banho. As crianças se entreolharam com expressões sérias carimbadas em seus rostos. A primeira coisa que fizeram foi se livrarem dos ternos, pois como todas as crianças eles também odiavam andar bem vestidos. Depois separam-se em dois grupos. Um deles desenterrou a mãe da tumba e o outro desceu o corpo ainda quente de seu pai da árvore. Levaram os dois cadáveres para a cozinha do casebre onde deram banho nos dois e depois os descarnaram. Salgaram as carnes de seus pais e atravessaram o pântano das ilusões capitalistas em busca de seus avós paternos, sentiam que precisavam de amor, amor de família, amor este que eles sentiam escapar a cada naco de carne que comiam durante a travessia.

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